Uma professora de Araçatuba (SP) que havia sido condenada em primeira instância a pena de 2 anos e 4 meses de reclusão por lesão corporal após um acidente de trânsito que vitimou o genro dela, em 2021 no bairro Traitú, foi absolvida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo após recurso impetrado pelo advogado Álvaro dos Santos Fernandes. A decisão, da 5ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, saiu no dia 14 de março de 2024. O caso teve grande repercussão na imprensa local e nas redes sociais na época.
Inicialmente, o caso foi tratado como possível tentativa de homicídio. Mas, a defesa da professora conseguiu provar que ela não teve a intenção de machucar a vítima e apresentou um vídeo de circuito de segurança que mostra a dinâmica do acidente (veja abaixo do texto).
Com base das imagens, o Ministério Público entendeu que não houve dolo da professora no caso e a denunciou por lesão corporal e não por tentativa de homicídio. A ação tramitou e a justiça de Araçatuba proferiu a sentença com a condenação da professora em regime inicial aberto. O advogado recorreu novamente e desta vez conseguiu a absolvição da professora com base na tese de legítima defesa.
“As provas colhidas no decorrer da investigação especialmente o vídeo obtido pela defesa, além de demonstrar que não houve qualquer atropelamento, revela que a professora agiu em legitima defesa ao deixar o local dos fatos, uma vez que além da vítima bloquear a sua saída e subir em cima do capô do veículo, seu pai ainda tentou abrir a porta do carro para retirá-la do veículo e agredi-la, de maneira que não havia outra alternativa para a professora a não ser agir da forma como agiu a fim de preservar sua integridade física”, observou o criminalista Álvaro Fernandes (foto abaixo)
O caso
A desavença entre o genro e a sogra ocorreu no dia 19 de março de 2021. Um jovem de 20 anos, casado com a filha da professora, ficou gravemente ferido após cair de cima do carro da mulher no momento em que ele tentava impedir a saída dela do local após uma discussão. A professora chegou a levar a vítima sobre carro por cerca de 70 metros. O jovem caiu no chão e foi socorrido pela equipe de resgate em estado considerado grave após bater a cabeça. Ele ficou internado por um longo período e recebeu alta com possibilidade de sequelas permanentes.
No dia do incidente, a professora foi até a casa do casal para tentar falar com a filha. Porém ela foi recebida pelo genro e uma discussão teve início na calçada da residência. No meio da confusão, o rapaz ligou para o pai e antes que este chegasse, a professora resolveu ir embora. Nesse momento, o rapaz entrou na frente do carro da sogra para impedir que ela deixasse o local. Em depoimento à Polícia Civil, a mulher reiterou que não houve atropelamento. De acordo com relato dela, o genro estava muito nervoso e tentou impedir a sua saída do local após fazer ameaças.
“Chamei pela minha filha e apareceu o (genro) no portão com uma vassoura e quebrou o cabo da mesma na calçada. Mostrando-se bastante alterado, ele me disse para não atrapalhar a vida deles”, alegou a professora em depoimento à polícia. Em outro trecho, ela relata o que aconteceu quando tentou ir embora da frente da casa do genro, após quase ter sido agredida por ele, fato que não foi concretizado graças a intervenção de um vizinho, segundo ela.
“Abri a porta do meu carro e entrei. Foi quando o (genro) disse que o pai dele chegou, estacionando defronte ao meu veículo outro carro. O (genro) foi para frente do meu carro, passou a bater no carro e subiu no teto do meu veículo. Batia no carro dando socos no para-brisa. O pai dele saiu do carro dele agressivo e alterado. Veio do meu lado, foi quando travei a porta e ele dizia que eu não iria sair dali. Nesse momento eu estava muito assustada, liguei meu carro, estercei as rodas do meu veículo, que estava trancado pelo carro do pai do (genro) e sai devagar com o meu genro no teto do meu carro…Não sai em velocidade pois o (genro) estava no teto. Andei poucos metros e parei o carro. E o (genro) que estava sobre o teto do carro escorregou, foi para frente e caiu no chão. Desviei dele, estacionei e olhei. Foi quando o pai dele veio correndo e dizia que iria me pegar, chamando os vizinhos para me pegar também. Acabei deixando o local assustada e com medo”, disse a professora em depoimento.
Decisão do TJSP
“Portanto, durante a lamentável situação, a acusada repelia agressão iminente, representada pela discussões e coação pretérita, estando tolhida do direito de ir e vir, utilizou de meios moderados, o único que dispunha, isto é, a própria fuga do local, com seu carro. A moderação dos meios na legítima defesa não precisa ser matemática, segundo se tem entendido, até porque, no calor dos fatos, sequer tempo para pensar a pessoa tem. É fato que não se sabe se ela seria agredida pelos desafetos no momento, ou o porque de tanto esforço daqueles para segurarem ela no local, naquelas condições, mas o certo é que ela, acuada e vulnerável que estava, até emocionalmente, em face da rejeição da filha, por certo teve em mente o pior”, escreveu o desembargador João Augusto Garcia, relator do caso na 5ª Câmara de Direito Criminal.
“Importante mencionar que a acusada não possui qualquer “mancha criminal” e que, sozinha, desarmada, ofensa alguma conseguiria efetivar contra a filha ou a vítima na data. O que impressiona, in casu, são as infelizes e graves sequelas decorrentes do fatos. Fatalidade, certamente não pretendida por ninguém. O intuito era fuga, sob o risco físico, mormente após a chegada do pai do ofendido. A conclusão a que se chega não representa, em absoluto, uma “chancela ao crime”, tampouco retira a gravidade dessas sequelas experimentadas, mas, antes disso, roga-se para que as partes se conciliem, um dia, ou, no mínimo, se respeitem, visando equacionar os entreveros, os quais, infelizmente, teriam continuado, mesmo após os fatos”, observou o magistrado no acórdão.
“Pelo exposto, por meu voto, dá-se provimento ao recurso, para, constatada a ocorrência da Legítima Defesa, absolver a acusada outrora responsabilizada pelo delito insculpido no art. 129, § 2º, incisos I e II, do Código Penal, nos termos do art. 386, VI, do CPP, prejudicadas as demais teses”, concluiu o desembargador.
Veja vídeo