A Procuradoria Legislativa da Câmara de Araçatuba deu parecer pela inconstitucionalidade ao projeto de autoria do vereador Lucas Zanatta (PL) que proíbe a instalação de banheiros multigêneros no município.
Conforme o parecer , a proibição da instalação de banheiros unissex ou multigênero, como proposta no projeto, ultrapassa o interesse local previsto no artigo 30 da Constituição Federal, “visto que não se trata de mera norma de edificação, mas sim da prevalência de princípios constitucionais.”
Desta forma, a matéria deve ser tratada em âmbito federal, não municipal. Além disso, o parecer cita os princípios constitucionais previstos no artigo 5º da CF, entre eles o direito à privacidade.
“A dignidade da pessoa humana é um fundamento do Estado Democrático de Direito. A promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”, diz o parecer, assinado pelo procurador legislativo Paulo Palma.
Palma afirma, ainda, que a instalação de banheiros nos imóveis públicos e privadas é disciplinada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT através da NBR 9050, que nos desdobramentos do seu item 7 estabelece normas para a instalação, construção e quantidades de banheiros nos estabelecimentos públicos e privados, inclusive dos banheiros multiusos, coletivos, multigêneros, unissex ou qualquer outra nomenclatura que se utilizar.
Autor vai recorrer do parecer
O autor do projeto deverá recorrer do parecer. Em sua justificativa, ele afirmou que o objetivo da propositura é a distinção do uso do espaço sanitário por homens e mulheres e “a preservação do direito constitucional à privacidade e a prevenção de ocorrência de crimes contra a dignidade sexual, a liberdade sexual e outros crimes sexuais contra vulneráveis”.
Em Araçatuba, não há banheiros multigêneros, mas o parlamentar disse que se antecipou, porque soube da intenção da instalação destes banheiros na cidade.
Para ele, a criação de banheiros multigêneros ou “unissex” configuram uma ameaça aos usuários, especialmente crianças, adolescentes e mulheres, “pois não há como impedir que oportunistas frequentem estes locais”.
Ele ainda defende que o uso de banheiros e espaços assemelhados no Brasil, na modalidade “unissex”, não irá diminuir os casos de hostilização, humilhação e outros tipos de violência contra a população LGBTQIA+.
Em Penápolis, um projeto semelhante ao de Zanatta chegou a ser apresentado na Câmara, mas foi retirado pelo autor, o vereador Altair Reis (Cidadania), que reconheceu ter se equivocado em alguns pontos da matéria, pedindo desculpas, caso tenha ofendido alguém.
Teor LGBTfóbico
Para a Agendda (Associação Gênero, Diversidade, Direitos e Afetividade), que atua na discussão e preservação dos direitos das pessoas LGBTQIA+ em Araçatuba, o projeto tem nítido caráter LGBTFóbico e afronta a Constituição Federal.
“A Constituição garante a busca por uma sociedade livre, justa e solidária, e o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e opressão. Logo, uma lei municipal não pode causar constrangimento às pessoas que não se enquadrem em determinado padrão estabelecido ainda majoritariamente pela sociedade”, diz a nota emitida em abril, quando o projeto se tornou público.
O vereador Wesley da Dialogue (Podemos), que é vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara, também se posicionou contra o projeto e rebateu Zanatta, ao dizer que a matéria não tem teor LGBTfóbico. “Tem sim. Muitos espaços não aceitam que homens e mulheres trans utilizem o banheiro conforme a sua identidade de gênero e proibir o uso de banheiros multigêneros coloca esse público novamente à mercê de situações constrangedoras”.
O projeto considerado inconstitucional pela Procuradoria Legislativa previa multa de R$ 4 mil aos estabelecimentos privados que mantivessem os banheiros multigêneros em seus espaços. As outras sanções previstas eram a suspensão da atividade por cinco dias úteis, sem prejuízo da aplicação da multa, na segunda reincidência, e o cancelamento do alvará de licença de funcionamento no caso de reincidência infracional reiterada em período inferior a um ano.
Assunto virou polêmica em Bauru
Em Bauru, interior de São Paulo, os banheiros multigêneros foram alvo de polêmica quando uma unidade de uma rede de fast food colocou placas indicando a destinação dos banheiros para homens, mulheres ou pessoas que não se identificam com esses gêneros.
As imagens viralizaram depois que uma mulher reclamou em um vídeo postado no internet. Em nota, o Mc Donald’s confirmou que desfez a mudança, motivada pela notificação imposta pela Prefeitura de Bauru no dia 13 de novembro apontando “descumprimento de exigências do código sanitário da cidade”.