Muitas vezes, enfrentam condições precárias para não deixar que a cidade pare nestes tempos de pandemia do novo coronavírus. Enquanto a orientação geral é ficar em casa e conter o avanço da doença, esses profissionais vestem o uniforme e vão para as ruas. Motoristas e colaboradores se expõem à infecção que só na cidade atingiu 27.982 casos suspeitos da doença, 9.234 casos positivos e ceifou a vida de 200 pessoas, de acordo com o boletim epidemiológico mais recente divulgado pela Prefeitura de Araçatuba.
Grande parte dos funcionários da TUA nunca viveu o isolamento imposto devido à Covid-19. A categoria tem 71% de chance de ser contaminada pelo vírus e, no quesito risco de atuação, só perde para os profissionais da saúde, como médicos e enfermeiros. Esta semana a reportagem da Folha da Região recebeu denúncias de um surto da doença que afastou entre seis a oito motoristas de suas funções.
Os relatos a seguir tiveram nomes e funções alteradas a pedido dos entrevistados por medo de serem alvos de represália. Seu “José” trabalha como motorista há mais de 20 anos, ele conduz passageiros em Araçatuba e faz uma das linhas com maior número de pessoas de Araçatuba. Todos os dias acorda quatro da manhã para iniciar a jornada, dez para as seis, já está nas ruas.
Mesmo com os decretos do Governo do Estado, que suspenderam diversas atividades, depois voltaram a funcionar sob restrições, “José” não parou de trabalhar. Levava quem não podia ficar em casa ao destino desejado, sempre com o coletivo lotado, por volta das 7h20, ele não conseguia manter o distanciamento recomendado pelas autoridades. Até que nos últimos dias os passageiros notaram a ausência de seu “José”. Ele tinha contraído a Covid-19 e foi afastado por duas semanas.
Dona “Maria”, é uma testemunha ocular do dia a dia do terminal da TUA em Araçatuba. Ela pede para não ser identificada. Segundo ela, muita gente tem medo de mostrar o rosto, porque não quer perder o emprego. Ela é uma terceirizada e conta detalhes sobre o surto que atingiu aproximadamente 12% dos motoristas da empresa de ônibus. “Dá pra contar nos dedos quantos motoristas foram afastados nos últimos dias. No início poucos ficaram sabendo, mas depois parece que foi uma vez só.
“Eu soube de pelo menos seis, mas tem mais gente. Para cobrir quem foi afastado pegaram motoristas que estavam em casa com redução de jornada”, conta.
Segundo a funcionária, a notícia foi contida nos primeiros dias, mas logo, outros funcionários se queixando de mal-estar e em alguns episódios assustou a colaboradora.
“Hoje mesmo, teve um motorista que passou muito mal na empresa. Teve um senhor que começou a jornada cedo e por volta das 9h20, precisou ir embora porque estava suando frio, parece que tinham derrubado um balde de água nele”, relata.
Nos horários de pico, entre 6h20 e 7h20, os passageiros ficam muito próximos uns dos outros. As linhas que mais são alvos de reclamações, tanto por parte dos passageiros quanto de motoristas, são as da Água Azul e Atlântico. Mãos juntas segurando barras de ferro, para não cair com o balançar dos ônibus, muitas vezes as janelas não abrem, estão emperradas e a ventilação é precária.
E a utilização obrigatória da máscara se torna polêmica entre passageiros e motoristas. “Falta mais fiscalização, tem que ter mais conscientização dos passageiros, tem vezes que eles quebram o pau com os motoristas porque se recusam a usar máscara. Eu me assusto porque a gente sabe que a doença está aí e não quer que ela chegue perto da gente”, mas chega. “Tem gente que acha que o motorista é um robô, que não fica doente, que tá ali por vontade própria. Não. Ele tá ali cumprindo ordens e é ordem da empresa usar a máscara, caso contrário não embarca”, completa Dona “Maria”, indignada.
Ainda segundo relatos, os motoristas afastados por suspeita de terem sido infectados, iam trabalhar com álcool em gel e máscara e que, mesmo depois de a empresa adotar a limpeza sistemática dos ônibus, apresentaram os primeiros sinais da Covid-19.
A tosse persistente e a falta de apetite chamaram a atenção. “Teve um funcionário que fica na plataforma a manhã inteira, que sempre tinha o hábito de comer a marmita dele com suco, mas aí de um dia para o outro, recusou tudo, não queria comer, a gente dizia para ele procurar um médico, mas ninguém imaginava que ele estava doente”, relembra a terceirizada.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a TUA negou que algum motorista ou colaborador tenha sido afastado por Covid-19. Segundo a empresa, nenhum funcionário apresentou atestado que confirmasse a suspeita ou caso confirmado da doença.
Mudanças
A pandemia adiantou mudanças no mundo do trabalho e a recomendação previa medidas gerais, como limpeza frequente dos veículos e disponibilização de álcool e máscaras, e garantia da circulação do ar nos ônibus com janelas e teto abertos. Tentativas para minimizar o perigo do contágio. Mas a preocupação com o trabalhador também impacta o usuário.
Uma passageira da Linha 123 Vilela conta que já ouviu relatos de motoristas que, mesmo doentes, iam trabalhar – o que foi confirmado pela reportagem da Folha da Região após entrevistas com familiares e amigos dos profissionais afastados pela Covid-19. “A gente passa anos pegando o mesmo ônibus”, diz. “É óbvio que a gente desenvolve um carinho e preocupação com os motoristas. O nosso aqui, sumiu, tinha outro no lugar, mas não falava o motivo, perguntávamos se ele estava bem. A verdade só apareceu quando soubemos por outras pessoas, que ele havia sido afastado porque estava doente. É uma pena. A gente se preocupa por ele e por nós”, frisa.