O Ministério Público de Araçatuba ajuizou uma ação civil pública de obrigação de fazer contra a Prefeitura de Araçatuba na Vara da Fazenda Pública local, com pedido de liminar, para que seja proibido o funcionamento com consumo no local de bares, restaurantes e similares, assim como o de salões de beleza, barbearias e similares, que não estão previstos na fase 2 do Plano São Paulo, onde o município se encontra. O Plano prevê a retomada gradual da economia de acordo com as peculiaridades de cada região do Estado.
A fase 2, onde está Araçatuba, permite a reabertura do comércio, shoppings e galerias, imobiliárias, escritórios e concessionárias. No entanto, o prefeito Dilador Borges (PSDB), publicou decreto autorizando também o funcionamento de bares e restaurantes, salões de beleza e barbearias, que só estão previstos na fase 3 do plano apresentado pelo governo de São Paulo.
A ação é assinada pelos promotores de Justiça Cláudio Rogério Ferreira, Luiz Antonio de Andrade, Albino Ferragini, Joel Furlan e José Augusto Mustafá. O valor dado à causa é de R$ 50 mil.
“Ciente das vedações estabelecidas pelo decreto estadual, a Prefeitura de Araçatuba autorizou o funcionamento de estabelecimentos privados de serviços e atividades não essenciais que realizem atendimento presencial a partir de primeiro de junho, estabelecendo regras e limitações. O decreto menciona expressamente a possibilidade de funcionamento de bares, restaurantes e similares, para consumo local, assim como o funcionamento de salões de beleza e barbearias. Portanto, o prefeito municipal liberou atividades não essenciais, em evidente desrespeito às legislações federal e estadual”, citou o Ministério Público, na ação.
Para os representantes do MP, o gestor municipal, ao comandar e divulgar a referida decisão administrativa, afronta as orientações da Organização Mundial da Saúde, da Presidência da República, Ministério da Saúde e diretor da Saúde Pública do Estado de São Paulo, e de contenção da doença, que está determinando, por ora, por evidências científicas constantemente divulgadas nos meios de comunicação, pela comunidade científica, medida de retomada econômica mais restritiva para que o serviço de saúde suporte a demanda nos atendimentos.
LEITOS
A promotoria destaca, ainda, que no atual contexto, as ações de prefeitos e governadores devem ser coordenadas. “Isso porque, o SUS notadamente a regulação de leitos de UTI, que é equipamento essencial para o tratamento da doença e da regulação estadual”.
A cidade de Araçatuba, que está inserida no Departamento Regional de Saúde – DRS II, tem como referência a Santa Casa de Araçatuba. O município tem apenas 19 leitos de UTI e somente 9 para tratamento da covid-19.
Na última sexta-feira, segundo o MP, o hospital tinha 16 pacientes ocupando leitos de UTI, dos quais 11 em UTI Geral e 5 pacientes Covid-19, o que indicava a existência de tão somente três leitos disponíveis. “Situação bastante crítica em termos de condições hospitalares, a impossibilitar qualquer avanço nas diretrizes traçadas pelo Governo do Estado. Situação muito próxima de um colapso”, ponderou o Ministério Público.
Segundo o MP, na existência de eventual sobrecarga de tais equipamentos por meio do sistema Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde), o paciente será encaminhado preferencialmente a unidades da DRS II e, em não havendo vaga na nossa regional, para outro hospital referenciado no Estado que a tenha.
“Diante de tal contexto, a flexibilização da abertura do comércio não se trata de mero interesse local, uma vez que a má condução do enfrentamento da pandemia por apenas um município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto”, ressalta a ação ajuizada pelo MP.
HIERARQUIZAÇÃO
Para a promotoria, o prefeito de Araçatuba não podia dispor de forma contrária ao plano estadual de retomada das atividades, ou seja, não podia comandar, explicitar, informar e deliberar pelo retorno de atividades suspensas por ato do governador do Estado, por uma simples questão de hierarquização existente na legitimação concorrente das unidades federativas.
“Assim, dentro da unidade federativa do Estado de São Paulo caberá ao gestor municipal, na vigência do Decreto do Governador, cumprir as suas disposições sob pena de responsabilidade, por violação às regras de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, como as medidas de quarentena”, destacaram.
Segundo o MP, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, reforçou a existência de competência administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e municípios e competência legislativa concorrente entre referidos entes, não conferiu autonomia total e irrestrita aos municípios para legislar em matéria de saúde.
“Compete ao município apenas suplementar a legislação estadual, no que couber, não é possível a edição de um decreto municipal com normas opostas às estabelecidas pelo decreto estadual, comprometendo o pacto federativo e a harmonia do sistema de competência concorrente”.
O MP lembra que o prefeito editou decreto 21.329, de 22 de abril autorizando inúmeras atividades não essenciais, inclusive a abertura de salões de beleza e barbearias, levando o MP a propor Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), tendo o desembargador Carlos Bueno proferido decisão liminar suspendendo o decreto municipal e, consequentemente proibindo o funcionamento de salões e barbearias.
CRIME DE RESPONSABILIDADE
Ao editar novo decreto, autorizando o funcionamento de atividade cujo exercício está suspenso por determinação do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, o prefeito de Araçatuba descumpriu ordem judicial, o que pode caracterizar crime de responsabilidade previsto no decreto lei 201 de 1967, conforme o Ministério Público.
“Além do que poderá também caracterizar ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11 da lei 8429/92”, observam os promotores. “Não se argumente que a situação em que editado o novo decreto se mostra nova, pois o decreto do governo do Estado manteve a proibição de funcionamento de salões de beleza, barbearia e similiares, atividades estas a serem retomadas apenas na fase 3, lembrando que a região de Araçatuba encontra-se na fase 2”, completaram.
O MP destaca, ainda, que o decreto estadual, em seu artigo sétimo, estabelece autonomia aos municípios para serem mais restritivos, considerando as peculiaridades do município, e não para ampliarem as atividades. Até porque, do contrário, totalmente desnecessária a classificação das regiões e estabelecimento de atividades possíveis de funcionamento.
PROTOCOLO DE TESTAGEM
“Também se destaca que não foi apresentado em que pese o cobrado pelo Ministério Público, trabalho científico que evidencie a possibilidade de avanço na liberação de atividades, ou mesmo a adesão a protocolos de testagem, exigência do artigo 7º do decreto estadual”, ponderaram.
Para o Ministério Público, o protocolo de testagem não se caracteriza unicamente com a apresentação do número de testes recebidos pelo município, o que, inclusive se mostra bastante insuficiente para qualquer trabalho científico, considerando a população do município (5.620 testes para uma população estimada, segundo o IBGE, de 197 mil pessoas, o que permite unicamente a testagem de 2,85% da população.
“Desta forma, totalmente insustentável a liberação de restaurantes, bares e similares, assim como de salões de beleza e barbearias”.
O MP citou ainda decisões contrárias à flexibilização em Piracicaba, Marília, Itanhaém, São José dos Campos, Cordeirópolis, Itapeva, Vinhedo, Sorocaba, Buri e Presidente Prudente.