(Folha da Região) O uso de videoconferência nas audiências de julgamento na primeira instância na Justiça Estadual e na Justiça do Trabalho de São Paulo levantou discussão no meio jurídico sobre os limites práticos, legais e técnicos da implantação de processos 100% online no Judiciário.
A medida adotada pelos dois ramos do Judiciário em abril colocou em xeque a cultura de que, no primeiro grau do sistema judicial, o contato presencial dos juízes com as partes, testemunhas e advogados é indispensável para que os julgadores possam formular seu entendimento sobre quem fala a verdade e, assim, decidir as causas.
As mudanças ocasionadas em diversos setores por conta do isolamento social para se conter o avanço do Covid-19 tem gerado novas situações, como é o caso do poder Judiciário com as teleconferências, que já eram realizadas para audiências em alguns casos de réus presos.
Para o juiz Emerson Sumariva Júnior, de Araçatuba, diretor regional da Apamagis (Associação Paulista dos Magistrados), as audiências de julgamento na primeira instância devem ser feitas pessoalmente, por serem um ato processual diferenciado. “É diferente das audiências de videoconferência, que eu faço, onde eu, promotor, advogados e testemunhas estamos no fórum, e apenas o réu na penitenciária”, explicou.
Para a reportagem, ele justifica que, talvez, mais adiante, este sistema venha a ser mais estudado para ser implementado. Sumariva diz que ainda dá preferência para a audiência com a presença física, que considera muito importante.
“A audiência tem um diferencial, é diferente de estar sentenciando e despachando à distância. Existe este contato mais pessoal entre as partes e permite melhor apuração dos fatos”, explica. O diretor explica que o juiz Roberto Soares Leite, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Araçatuba, fez uma audiência por teleconferência e avaliou o resultado como positivo, podendo ser repetido conforme as determinações em relação aos prazos do isolamento social.
Sumariva disse que está avaliando a sistemática, conversando com advogados e Ministério Público a respeito do assunto. “A gente se mostra resistente, só se for demorar mesmo pra voltar. A audiência é um ato processual mais delicado e exige que seja feito num ambiente só. Se não fosse tão importante seria feito lá atrás”, comparou o juiz. Para entidades da classe dos advogados ouvidas pela reportagem, entre os problemas da medida estaria o risco de testemunhas serem manipuladas ou coagidas em seus depoimentos. Elas questionam também a viabilidade de se garantir que uma testemunha não ouça às demais.
Para a seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a única solução seria determinar que os depoimentos das testemunhas fossem feitos em ambiente judicial, o que geraria então deslocamentos delas e dos servidores, e consequentemente, riscos à saúde dos envolvidos.
O presidente da Comissão de Direito Eletrônico e coordenador de Prerrogativas da Subseção da OAB em Araçatuba, advogado Pedro Chagas, afirma ser contra as audiências em primeira instância por videoconferência, que era algo previsto mas acabou sendo efetivado de maneira abrupta, segundo ele.
Chagas avalia o caso como algo muito complexo, até mesmo porque as videoconferências dependem de fatores como a qualidade do sinal de internet, que pode comprometer a qualidade dos trabalhos. “É algo muito difícil de ser efetivado. Já é usado em processos criminais para evitar deslocamento de presos. Mas de forma mais ampla é um risco”, avalia o advogado.
Na Justiça estadual, porém, o uso da ferramenta tecnológica está avançando. A direção do TJSP relatou que ainda não fez um levantamento sobre o número de juízes que está utilizando o recurso, mas avalia a experiência como “bastante positiva”. O juiz da 2ª Vara Criminal de Ribeirão Preto Sylvio Ribeiro é dos magistrados que adotou o sistema de videoconferência, o Microsoft Teams, para julgamentos.
Para garantir a incomunicabilidade entre as testemunhas, o juiz afirma que fica atento ao ambiente em que os depoentes estão. Segundo o magistrado, das 22 audiências por videoconferência que agendou, cinco acabaram não se realizando. Uma por uma limitação técnica da penitenciária onde o preso estava. Em outro caso de insucesso, o acusado se recusou a sair da cela pois pensou que não conseguiria falar com seu advogado antes do julgamento.
Também houve um cancelamento em razão de o réu em liberdade ter ido a um sítio onde não havia sinal de internet no dia da audiência. Ribeiro diz que a experiência mostrou que a ferramenta poderá continuar sendo usada mesmo após a crise da Covid-19 nas hipóteses em que testemunhas e réus devem ser ouvidos fora da cidade onde o processo está em curso.
Em um período de normalidade, a coleta dos testemunhos das pessoas que estão fora da cidade onde está a ação penal é feita por um instrumento processual que na linguagem jurídica recebe o nome de carta precatória.
Por meio desse procedimento, um juiz manda ao magistrado da outra cidade uma lista das perguntas a serem feitas aos réus e testemunhas, que então são chamadas a prestar depoimento ao juiz da cidade onde moram. Após a obtenção dos depoimentos, o juiz manda as respostas ao colega que preside o processo. Ribeiro diz que o uso da videoconferência em vez da carta precatória é uma das medidas que pode permanecer nos sistema judicial após a pandemia. Outra vantagem é que pela videoconferência o próprio juiz titular da causa ouve o depoente e pode aprofundar alguns temas de acordo com o teor das respostas, segundo o magistrado.