O médico Roni Ferrareze conseguiu, junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nesta terça-feira, o direito de reassumir o cargo de prefeito de Valparaíso, quando o órgão anulou decisão do Lesgislativo que resultou na cassação de seu mandato. Ele havia sido cassado administrativamente pela Câmara dos Vereadores em fevereiro do ano passado, após denúncia de um ex-aliado em relação a um possível esquema para fraudar licitações. Ferrareze deve voltar à prefeitura assim que a decisão judicial de segunda instância for publicada no Diário Oficial do Estado, e retorna cargo com quatro ações em andamento movidas pelo Ministério Público por ato de improbidade administrativa.
Em duas das ações, a Justiça decretou, no último dia 19, a indisponibilidade dos bens de Ferrareze e da ex-chefe de contabilidade da Prefeitura de Valparaíso, Gisele Salesse, limitado ao valor apontado na denúncia do Ministério Público, de R$ 235.777,22.
A Justiça determinou o cadastro no sistema Central de Indisponibilidade de Bens (Central ARISP) ou, no caso de imóvel determinado, a ordem de indisponibilidade deverá ser enviada diretamente à serventia de competência registral, preferencialmente por meio eletrônico, indicando o nome do titular do domínio ou direitos reais atingidos, o endereço do imóvel e o número da matrícula.
Esta ação de improbidade administrativa foi movida pelo Ministério Público devido à contratação, por Roni Ferrareze na condição de prefeito, da empresa José Rodrigo Gonçalves Montagem Industrial – ME, sem o devido processo licitatório e sem a formalização de contrato.
Consta da ação que, em meados de junho de 2017, com a proximidade do tradicional rodeio na cidade e diante da necessidade de realizar obras no recinto, em tese essenciais para a obtenção do AVCB (auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros), o prefeito autorizou a contratação da referida empresa para que realizasse obras no local, mediante contrato verbal, desprezando o princípio constitucional da isonomia e a obrigatoriedade de realizar licitação para selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração.
Logo em seguida, com o mesmo modus operandi, desprezando os princípios que regem a Administração e a exigência de prévia licitação, o Prefeito novamente contratou, de forma verbal, a mesma empresa, para que realizasse obras no prédio do antigo Tiro de Guerra, no Pelotão da Polícia Militar e no Centro de Lazer do município.
Para o Ministério Público, o então prefeito deixou de elaborar procedimento administrativo no qual constassem os fundamentos fáticos e técnicos que poderiam eventualmente justificar a contratação direta e a escolha da empresa contratada em detrimento de outras existentes na região. Referidas contratações diretas totalizaram o montante de R$ 235.777,22. Ficou constatado que o valor superou e muito o limite de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), que dispensaria a realização de procedimento licitatório.
Ainda conforme a ação, não se deve considerar cada contratação isolada, pois tal entendimento configura burlar a obrigatoriedade de licitação, tratando-se de fracionamento ilegal. Considerando que todos os serviços eram de baixa complexidade e que foram executados em curto intervalo de tempo, não era o caso de contratações isoladas e diretas, sendo de rigor a realização de licitação.
Outro agravante é o fato de parte das notas serem emitidas como se tivessem sido executadas em unidades escolares, com o intuito de utilizar recursos do Fundo para o Desenvolvimento do ensino Básico, e que, na realidade, as escolas mencionadas não receberam as referidas melhorias.
Reforma da cozinha
A outra ação movida pelo Ministério Público, também por improbidade administrativa, é com relação à contratação de outra empresa para realização de serviços, sem fazer o devido processo licitatório.
De acordo com a ação, Ferrareze teria cometido ato de improbidade administrativa ao autorizar a contratação da empresa Jeferson da Silva Toledo – ME para reforma da cozinha situada na Prefeitura, em dezembro de 2017, pelo valor de R$ 21.900, a serem pagos de forma fracionada em três parcelas dentro do mesmo mês da contratação.
Para o Ministério Público, essa contratação não respeitou o princípio constitucional da isonomia e a obrigatoriedade de realizar licitação para selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração.
Ainda segundo o MP, a ilegalidade no fracionamento do objeto das contratações é patente, uma vez que estas ocorreram em curto intervalo de tempo e se referiam a parcelas de uma mesma obra (reforma da cozinha), além de o fato ser previsível e programável.
Também consta da denúncia que o então prefeito “não se respeitou o princípio da impessoalidade no trato do bem público, como deveria por obrigação Constitucional, beneficiando determinada empresa em detrimento de outras”. Com base na denúncia do MP a Justiça decretou, também no último dia 19, a indisponibilidade de bens de Ferrarezi, no valor de R$ 21.900,00.
Ação apura contratação da esposa do prefeito sem concurso e sem credenciamento no Ciensp
A terceira ação movida pelo Ministério Público foi motivada porque, na condição de prefeito, Roni Ferrareze autorizou a contratação de sua esposa, a médica Thaissa Moraes Mariano, sem concurso público e sem credenciamento perante o Ciensp (Consórcio Intermunicipal do Extremo Noroeste Paulista), entidade que viabiliza a contratação de médicos sem concurso público, mas que automaticamente precisam estar devidamente credenciados como pessoa jurídica e aprovados em prévio processo licitatório, que é aberto uma vez ao ano.
Consta da ação que a médica e esposa do então prefeito foi contratada logo no primeiro mês de seu mandato, exercendo suas atribuições no CEMM – Centro de Especialidades de Média Complexidade Municipal – e na UBS Miyogi Morizono.
Conforme denúncia do Ministério Público, dias depois de iniciados os trabalhos em Valparaíso, Ferrareze e a esposa agiram com o fim de dar aparência de legalidade à sua conduta.
No dia 02 de fevereiro de 2017, a médica protocolou Requerimento de Empresário na Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo). Somente nesta data, então, que surge a pessoa jurídica, ou seja, uma empresa em nome dela. A informação é confirmada por certificados, certidões e alvará, os quais foram expedidos em data posterior a 02 de fevereiro de 2017.
Com o registro na Jucesp a médica formulou pedido de credenciamento no Ciensp, em 9 de fevereiro de 2017. No entanto, o Termo de Credenciamento da empresa da esposa do então prefeito somente foi formalizado em 05 de abril de 2017.
Mas, ela já vinha prestando serviços ao Município de Valparaíso, desde 21 de janeiro de 2017, e assim foi até o dia 20 de maio do mesmo ano. Em um trecho da denúncia consta que, “neste ponto, então, vale esclarecer que o Município de Valparaíso efetua a contratação de médicos por meio do Consórcio Intermunicipal do Extremo Noroeste de São Paulo – Ciensp, que é uma associação pública que integra a Administração Pública de diversos municípios, inclusive de Valparaíso/SP”. Esta ação está em andamento aguardando manifestação por parte dos investigados.
Ferrareze e aliados tiveram R$ 459 mil bloqueados em ação que apura esquema de desvio de verba pública
Em outra ação de improbidade administrativa, o Ministério Público acusa Roni Ferrareze e aliados politicos de montarem um grande esquema de desvio de verba pública. De acordo com a denúncia, todos eles participaram ativamente das fraudes, sempre com atribuições muito bem delineadas, utilizando ilegalmente uma empresa da cidade.
A denúncia no Ministério Público foi protocolada pelo próprio empresário, ao descobrir que o grupo estaria emitindo notas fiscais de sua empresa e realizando pagamentos como se ele tivesse prestado serviços para a prefeitura, os quais nunca foram efetuados. No total a prefeitura teria pago cerca de R$ 100 mil em notas emitidas de serviços não prestados, conforme documentos e relatos que constam do processo.
Conforme a inicial da ação, o dono da empresa Fercal Comércio de Ferros e Calhas Ltda – ME, procurou o Ministério Público e relatou que o objeto social de sua empresa é a venda de material de construção e serviços de construção, como instalação de calhas e alguns serviços de serralheria.
Segundo ele, a empresa não tem o costume de participar de licitações e de prestar serviços ao Município. No mês de agosto de 2017, foi procurado por Diego Novais Severiano dos Santos (do departamento de Transporte) para realizar serviço de confecção e instalação de duas grades para carroceria de caminhão de reciclagem.
O serviço foi contratado e prestado ainda no mês de agosto de 2017, sendo que o valor ficou estipulado em R$ 3.200,00 bruto, e R$ 3.088,00 líquido. O serviço foi prestado corretamente e o pagamento foi feito por meio de cheque, o qual foi entregue ao filho do empresário.
A empresa acessou o sistema do Município e expediu a referida nota fiscal. Posteriormente não prestou nenhum outro serviço ao Município. Somente efetuou venda de material de construção em duas oportunidades. Depois disso, não teve mais nenhum contato com a Prefeitura.
No entanto, no começo de fevereiro de 2018, a funcionária da empresa , que é responsável pela emissão das notas fiscais, percebeu que foram emitidas 14 notas fiscais em nome da Fercal à prefeitura, sem que a empresa tivesse conhecimento ou prestado o serviço correspondente, notas estas que somam valor aproximado de R$ 85.663,00.
O empresário procurou a contadora da empresa e ela fez o levantamento das notas. Ao consultar o sistema novo da Prefeitura, ficou constatado que todas as notas emitidas em nome da Fercal foram listadas, e geraram imposto da ordem de 6% sobre os valores das notas emitidas.
O empresário procurou a chefe da contabilidade da Prefeitura, Gisele Salesse, para obter informações em relação a essas notas. Ela justificou que era um erro do sistema e que ela iria cancelar todas as notas. A contadora contestou e perguntou que erro era aquele, que gera notas e, inclusive, gera pagamentos indevidos, sendo que nenhum serviço havia sido prestado à prefeitura. A empresa não havia recebido qualquer valor e não havia assinatura em recibos.
A contadora solicitou documentação pertinente e demonstração de notas dos pagamentos, porque muitos dos serviços listados nas notas não correspondem ao objeto social da empresa. Diante destes questionamentos, Gisele Salesse solicitou para fazer os levantamentos. E a todo momento ela afirmava que iria cancelar as notas, o que não foi feito.
Gisele era gestora do contrato com empresa FGMAISS (contrato de concessão de uso de software utilizado por alguns Departamentos da Prefeitura; utilizado, inclusive, para emissão de nota fiscal eletrônica). Com isso, tinha amplos poderes e acesso irrestrito a este programa. Ela informou também que além de ser um erro do sistema, estas notas e pagamentos se referiam a outros serviços e fornecedores, e que providenciaria a correção dos pagamentos.
Passado o tempo, sem qualquer resolução do problema, o empresário procurou pelo então prefeito Roni Ferrareze para expor o caso. A orientação dada por ele foi para que o empresário procurasse pelo Ministério Público. No dia em que ele foi ao Ministério Público, a mesma funcionária passou a entrar em contato com a contadora da empresa tentando amenizar a situação dizendo que resolveria o problema, mas as notas não foram canceladas no sistema.
Para o Ministério Público, Roni Ferrareze e os servidores Gisele Salesse, Natasha Leite de Almeida, Robson da Silva Coutinho, Sérgio Ferreira Dias, Diego Severiano dos Santos e Jean Pierre Pedroso dos Santos viram que empresa Fercal poderia ser a “galinha dos ovos de ouro” e enxergaram aí uma excelente oportunidade de se enriquecerem ilicitamente e de causarem dano ao erário.
Conforme consta do processo, a partir deste momento, então, os envolvidos se reuniram e armaram um grande esquema de desvio de verba pública. Todos eles participaram ativamente das fraudes, sempre com atribuições muito bem delineadas. Em diversas oportunidades, os requeridos simularam a prestação de serviços pela empresa Fercal.
Posteriormente, eles emitiram notas fiscais em nome da empresa, emitiram nota de empenho, liquidaram as notas e efetuaram pagamentos por serviços que nunca existiram. Essa conduta gerou a emissão indevida de 14 notas fiscais eletrônicas, todas em nome da empresa Fercal.
Do mesmo modo, o comportamento dos denunciados ensejou a ilícita movimentação financeira que culminou no desvio e apropriação de R$ 100.000,00 (cem mil reais), aproximadamente.
Entre os pedidos do MP na ação constam a condenação dos acusados à perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ao ressarcimento integral do dano na quantia de R$ 102.109,60 (cento e dois mil, cento e nove reais e sessenta centavos), atualizada monetariamente e com juros; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos, de 08 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 03 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos.
Em março deste ano a Justiça já havia decretado a indisponibilidade dos bens dos requeridos no valor limite de R$459.493,20. Os réus já apresentaram contestação neste processo que está concluso aguardando despacho ou sentença do magistrado.
TJ derruba mandado de segurança
Por três votos a zero, foi decidido nesta terça-feira (26) pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a volta imediata do médico Roni Cláudio Bernardi Ferrareze (PV) ao cargo de prefeito de Valparaíso. Ele havia sido cassado no dia 23 de fevereiro de 2018, pela Câmara dos Vereadores, após denúncia do ex-secretário de Indústria e Comércio, e também de Administração, Edson Jardim Rosa, o Edinho, de que havia sido convidado a fazer parte de um “esquema” para supostamente fraudar licitações.
O advogado que defende Ferrareze, Renato Ribeiro de Almeida, de São Paulo, fez uma sustentação oral na manhã desta terça-feira, no Tribunal de Justiça, e conseguiu o retorno do prefeito ao cargo, por unanimidade. De acordo com ele, assim que a decisão for publicada no Diário Oficial, Ferrareze poderá reassumir o cargo de prefeito de Valparaíso, hoje ocupado por Lúcio de Lima (PMDB), que era vice de Ferrareze antes da cassação.
Ferrareze havia sido cassado pelo Legislativo por oito votos favoráveis e apenas três contrários. O advogado explicou que a defesa foi fundamentada em dois pontos. Um deles foi o fato de o vereador Kleber de Lima (PMDB) ter participado da votação, sendo que ele é filho de Lúcio de Lima, que na época era vice-prefeito e seria parte interessada na cassação de Ferrareze, porque desta maneira iria assumir o comando do Executivo.
Almeida disse que legalmente Kleber de Lima não poderia ter participado da sessão que cassou o mandato do prefeito, o que não foi levado em consideração pelo Legislativo. O outro argumento da defesa foi de que as gravações de áudio apresentadas na denúncia não serviriam como prova nos autos, sendo que, segundo ele, inclusive a perícia constatou que tecnicamente não foi possível comprovar que a voz atribuída a Ferrareze seria mesmo dele.
O advogado também disse que as gravações apresentadas pela acusação foram encaminhadas em “pedaços”, termo segundo ele atribuído na própria denúncia aos trechos de gravações entregues à Câmara, sendo que, como não havia a gravação na íntegra, acabou impossibilitando a avaliação do contexto geral da conversa, até mesmo se houve algum tipo de edição.
Ele explicou que em primeira instância o mandado de segurança que havia impetrado foi julgado improcedente. No entanto, na segunda instância a decisão foi favorável. Ele disse que ainda cabe um recurso no Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal. No entanto, acredita que, até mesmo pela decisão unânime do TJ, dificilmente o caso será revertido. Roni Ferrareze não foi encontrado para comentar a decisão.
O presidente da Câmara dos Vereadores de Valparaíso, Eurípedes Javarez (PR), o Gugu, disse que ainda não foi comunicado oficialmente sobre a decisão do TJ e não sabe quais foram as argumentações. Ele disse que após ser comunicado oficialmente vai discutir junto à direção e o setor jurídico da Casa para definir quais serão as decisões a respeito do caso, bem como um possível recurso contra a decisão. No entanto, ele disse que nesta terça-feira (26) ainda não havia subsídio para falar sobre o caso.
O motivo que gerou a cassação
O ex-secretário Edinho protocolou a denúncia no Legislativo, junto a um arquivo com gravações de áudio, no qual ele afirmava que havia sido convidado a fazer parte de um “esquema” para supostamente fraudar licitações.
Na ocasião, o então prefeito disse que os áudios entregues não estariam na íntegra, e que houve uma forma errônea de interpretação, sendo que uma das afirmações que ele menciona, seria pelo fato de Edinho não estar satisfeito no cargo que ocupava, e como empresário, ele poderia ter mais rentabilidade frente aos seus negócios do que na prefeitura, mas que em nenhum momento a alegação foi com relação a fraudes em processos licitatórios ou algo parecido, como fora mencionado.
O caso ganhou muita repercussão na cidade após divulgação nas redes sociais dos áudios gravados por Edinho, durante conversas com Ferrareze, o então chefe de gabinete e até com uma funcionária da prefeitura. Nessas conversas, de acordo com a denúncia, é sugerido a ele participar de “esquema” para fraudar licitações.
Ferrareze, em suas explicações, disse que estranhava a mudança repentina do posicionamento político de Edinho, que inclusive é presidente de seu partido, o PV, e recentemente se aliou ao vice-prefeito, com o qual está rompido desde o primeiro semestre, e posteriormente enviou a denúncia ao Legislativo.